So, Europe was more than they expected. And they didn't have words for Spain. Marc always knew it, but Estella and Hani had never dreamt of a place like that. They would've done anything for the trip to be perfect.
As reality surprises them once again, Estella and Hani will thank the existence of their attractive friend Marc forever, because even though being a bit scandalous, he will be the door for their dreams to come true.

Monday, September 12, 2011

V - Hani

Hani só tinha duas palavras para aquilo:
Santiago Bernabéu.
Quer dizer, ela gostava de futebol desde que se conhecia por gente. Desde sempre se lembrava do seu avô e de seu pai gritando na sala da casa dos seus avós os gols do Corinthians. Sempre se lembrava do desespero quando o seu time perdia. Lembrava-se de como havia chorado quando viu seu primeiro gol num estádio. Como ela já tinha rejeitado um garoto legal só por causa de futebol. Como se envolvera em quinze mil brigas com homens por causa de futebol... E como descobrira, no meio do jogo da Espanha e da Suíça que sua melhor amiga era completamente viciada em futebol.
- Vai, vaai, Puyi – era Estella com o celular na orelha no meio da aula de biologia.
- O. Que.Você. Tá. Fazendo? – Hani estava perplexa.
- Eu to ouvindo o jogo da Espanha... O que mais estaria fazendo? Você não acha que eu ia prestar atenção nisso aí enquanto a Espanha joga, né? – Estella revirou os olhos.
A partir de então, a maioria das conversas das duas amigas passara a ser futebol. Marc também sempre falava como tal jogador era bonito. Hani se irritava bastante quando ele lançava o tipo de comentário:
- Meu, por que esse cara de amarelo fica correndo pra lá e pra cá, com um apito, e ninguém passa a bola pra ele?
Na verdade, Hani estava bem feliz que Marc não estivesse falando nada quando eles foram visitar o estádio.
A visita começou com uma vista panorâmica do estádio. Hani se lembrou de como foi incrível a sensação de sentar numa daquelas cadeiras e comemorar como louca o gol do Cristiano Ronaldo. Ou o gol do Di Maria. E o gol do Cristiano Ronaldo de novo. Como ela amava aquele estádio. Se fosse possível, ela abraçaria aquela estrutura.
Na verdade, ela já estava abraçando com os olhos.
A Sala Histórica foi mais incrível ainda. Ela tirou milhares de fotos, todas se imaginando mostrando para os irmãos e contando sobre cada uma das coisas de um dos clubes que ela mais gostava. Todos os uniformes. A história do clube. Tanta coisa legal já estava deixando ela tonta.
Depois, vinha a Sala de Troféus. Era imensa – óbvio que ela era imensa. Hani tirou fotos de todos os troféus. Ficou particularmente interessada em levar pra casa o mais antigo do clube, que era maravilhoso, e tinha até um lugar especial para ele.
Ali perto tinha uma maquete do estádio – Hani era apaixonada por maquete, e ficou horas vendo aquela – e uma réplica da Fonte de Cibeles, o lugar no qual acontecem as comemorações das grandes conquistas do Real.
Mas na frente tinha uma apresentação de todos os jogadores que já passaram pelo time. Isso entreve muito aos amigos. Marc ficava avaliando quais eram bonitos e quais não eram. Hani tirava fotos loucamente. Estella tirava fotos dos que mais a interessavam.
O próximo passo da visita foi ficar bem perto do campo. Foi a segunda parte mais emocionante do passeio. Ficar a centímetros do campo, imaginando mil coisas. Como os jogadores se sentiam, como o técnico se sentia... Como era ser qualquer uma dessas coisas. Era só fantástico imaginar, quem dirá ser.
E, aí, veio a parte mais emocionante do passeio: o vestiário.
O vestiário dos jogadores do Real Madrid mesmo não era aberto a visitação – por motivos óbvios – mas, Hani queria de todo jeito entrar. E sabia que Estella e Marc também queriam. A única coisa que os impedia era uma barreira azul, que Hani não tinha certeza do que era feita, mas que ia até a altura de seu joelho. O problema era o segurança ali perto, já olhando estranho para eles, porque eles pararam e olhavam para o vestiário de entrada restrita.
Mas eles não tinham tempo para fazer um plano.
Os três só pularam a barreira azul e saíram em disparada para dentro do vestiário. Hani era a primeira, por causa de suas pernas longas e porque fazia esporte desde pequena. Ela ouviu Estella ser pega atrás dela. E acelerou mais o passo, a adrenalina correndo por suas veias. Ela ouviu Marc tropeçar e ser pego, mas não parou.
Então, ela conseguiu dar uma olhada de cinco segundos no vestiário deles.
Era todo azul e branco. Os armários tinham o número do jogador e a foto dele. Só de pensar que... Ah, meu Deus. Todos eles estiveram ali. Todos. Seus olhos passaram de armário por armário, na ordem que estavam. Do Casillas, do Ricardo Carvalho, do Pepe, do Sergio Ramos, do Şahin, do Khedira, do Cristiano Ronaldo, do Kaká, do Benzema, do Özil, do Graneiro...
Então ela sentiu seu corpo ser arrastado para fora de lá.
E não é como se eles pudessem continuar a visita depois disso.

Thursday, September 8, 2011

IV - Estella

Marc realmente não conseguia calar a boca. Já era terça-feira, e o jogo fora sábado. O Sergio isso, o Sergio aquilo. Quando será que ele ia ligar? Ele era tão sexy. O sorriso dele era maravilhoso. Com certeza os dois iam ficar, pelo menos ele tinha certeza, já que continuava afirmando a cada cinco minutos. E nenhuma das duas agüentava mais escutá-lo.
Ele só perguntava do celular e se tinha tocado. Se trancava no banheiro por horas. Não que isso não fosse normal, mas passava ainda mais tempo do que o usual se embelezando porque, segundo ele, estava ‘aproveitando enquanto ele não ligava para ficar mais incrível’. Como se ele precisasse.
Marc sempre foi muito bonito. Tanto Estella quanto Hani se sentiram atraídas por ele antes de conhecê-lo. Não demorou muito para perceberem que era gay, porém ele tinha seus momentos de homem perto delas. Esses momentos faziam com que Estella amaldiçoasse quem quer que fosse responsável por determinar a orientação sexual das pessoas.
No entanto, para as duas garotas ele sempre seria aquele tipo de homem maravilhoso que era o amigo, e que nunca, nunca, mas nunca mesmo passaria disso. Nem mesmo quando ele saísse do banho só com a toalha enrolada, quase caindo, e com o peito todo molhado, a água escorrendo do cabelo.
- Hani...
- Não, o Serg...- Hani parou no meio da frase. Estella queria muito rir da expressão na cara da amiga e do modo como o rosto dela corara enquanto ela desviava os olhos e continuava a falar - Sergio não ligou, Marc.
- Hum – o amigo voltou para o banheiro batendo a porta atrás de si. Parecia que estava obcecado mesmo.
Está bem, Sergio Ramos realmente era um dos homens mais... Sergio Ramos do mundo. Não tinha melhor definição para um homem, um homem espanhol e caliente, do que simplesmente Sergio Ramos. Mas todos sabiam disso depois de vê-lo. Marc não precisava explicar.
Hani já estava tão irritada com o amigo que desenvolveu a habilidade de usar fones de ouvido no volume máximo. A noite anterior tinha piorado a situação entre eles. Ele andava realmente insuportável. Mas os três se conheciam há anos; Estella sabia que Marc só estava afetado daquele modo porque se tratava daquele homem.
- Na verdade, eu nunca tinha reparado nele antes. Mas agora eu não sei como isso foi possível...
- Marc, é óbvio que você não sabia quem ele era. Você não conhece nenhum jogador de futebol. Você não sabe nada sobre futebol. Durante a copa do mundo você se referia ao Piqué como ‘o alto com a blusa enfiada no calção’ e depois como ‘o alto bem-dotado’.
- Mas ele é bem-dotado! – Marc riu, colocando a língua pra fora.
- Marc. Eu aposto que você não sabe o nome de nenhum jogador da Espanha. E você assistiu a todos os jogos comigo.
- Eu sei sim, tá! – Ele fez uma cara  feia – Mas eu não vou falar.
- Ah, então você não sabe! – Hani disse, levantando as sobrancelhas.
- Sei, mas porque eu deveria falar? Só para provar para vocês? Eu não preciso provar nada para ninguém, ok!
- Você sabe que quando as pessoas falam isso é porque... bom, você sabe.
O moreno fez uma cara de desdém após as palavras de Estella e coçou o nariz sardento. Isso era uma mania que tinha quando estava irritado, ela conhecia aquele sinal muito bem.
- Até agora você não sabe o nome de nenhum jogador da Alemanha.
- Ah, Hani, você só está falando isso por causa da sua quedinha por aquele moreno que não é alemão de verdade...
- SIM, ELE É, MARC! O MAIS PERTO DE TURCO QUE ELE TEM É O BISAVÔ DELE! Eu já te disse isso mil vezes! – Aquela era a gota d’água quando o assunto era irritar Hani. Falar sobre Mesut Özil? Marc devia estar louco, Estella nem mesmo brincava com isso.
Hani colocou os fones de ouvido, bufando. Aquele fora provavelmente o maior espaço de tempo que ela agüentou falar com ele. O moreno se virou para a outra com uma mistura de surpresa e horror no rosto, pegando a base com fator solar jogada na cama para se embelezar no banheiro. Ele fazia questão de ressaltar essa parte. Como se realmente a usasse somente pelo protetor.
- Qual é, M? Você sabe que você não deve cometer uma gafe em relação ao Özil.
- Ah, tá, mas eu esqueci! – Obviamente aquilo era uma mentira. Marc era uma daquelas pessoas incapazes de admitir um erro. Realmente não parecia que o fizera por mal, embora gostasse de provocar as amigas. E num dia normal Hani não teria ficado brava de verdade com aquilo. Estella acreditava que Marc simplesmente não notara o quanto estava irritante, principalmente após a noitada, que foi a verdadeira causa da explosão de Hani em proporções anormais.
Por mais que quisesse muito que Sergio ligasse, o mais rápido possível, para que Marc calasse a boca e satisfizesse logo suas fantasias, Estella não conseguia imaginar o que aconteceria se ele realmente o fizesse. O ataque que teria. Ou melhor, o que Hani faria, já que o número de telefone que Sergio tinha anotado em um cartão era o dela. Se lembrava muito bem da reação da amiga quando soube disso.
- Você o quê? Você O QUÊ? PASSOU MEU TELEFONE PARA A PORRA DO SERGIO RAMOS?!
- Querida, você é a única com telefone aqui! Quer dizer, chamadas internacionais são absurdas! Nós concordamos que nós três usaríamos o se-
- É, porque só eu lembrei da licença internacional! Mas NÃO PARA VOCÊ DESTRIBUÍ-LO PARA UM JOGADOR DE FUTEBOL QUE DEU EM CIMA DE VOCÊ! – Até quem conhecia Hani teria medo daqueles olhos possessos.
- Ai, invejosa! – Marc soltou uma risada afetada, que mais tarde se tornaria comum naqueles dias. Hani então arregalou os olhos ainda mais, virou a cabeça e parecia à beira de um ataque. Mas ao invés disso teve uma reação muito ‘Estella’ e se virou para estender a camisa assinada pelo Xabi na cama.
Xabi. Ele era incrível. Não foi nenhuma decepção conhecê-lo, como poderia ter sido. Ele realmente era tudo aquilo. Era bonito, o sorriso de lado dele conseguia ser ainda mais bonito pessoalmente. Na verdade, ele era muito melhor do que o esperado. Ele era extremamente simpático. Estella não acreditava que ele tivesse ficado tanto tempo conversando com elas, e ainda por cima tivesse assinado tudo, e lhes dado sua própria camisa. Quando ele a tirou revelando seu torso... aquele peitoral... A camisa permaneceu aqueles dias dentro da bolsa que Hani levara ao jogo. Estella nem falou nada sobre isso porque não queria admitir que tinha medo de não ter camisa nenhuma e ter sido tudo um sonho.
E ele as havia convidado para um treino! Por mais que tentasse não pensar nisso, já que tudo era provavelmente uma grande ilusão, quanto mais se concentrava em não ter esperanças, mais elas se solidificavam. Já bastava o jeito ridículo como tinha agido na frente dele. Falando como louca. Como se fosse uma fã pirada. Ou pior, uma desesperada.
Nos últimos dias tentara, em vão, focar todas as suas atenções somente aos planejamentos de visitas aos locais turísticos de Madrid e de Barcelona. Barcelona! Ela não conseguia colocar na cabeça o fato de que já estava na Espanha, já havia assistido a um jogo no estádio Santiago Bernabéu e conhecido Xabi Alonso. Xabier Alonso. A grande probabilidade é que só estivesse lá para entretê-las enquanto Sergio se jogava para Marc. Mas quem ligava?
Madrid era linda. Estella tinha certeza de sua eficácia como planejadora da viagem, e sabia que, mesmo com a tensão entre Marc e Hani aumentando a cada palavra, ambos estavam aproveitando muito os lugares que visitaram assim como ela.
Antes mesmo do jogo já haviam estado em alguns dos lugares mais famosos e prestigiados de Madrid. O hostal em que se hospedaram se localizava no centro, por isso estavam muito próximos de Puerta Del Sol, o marco zero da cidade. Lá se localizava a Real Casa de Correos, que tinha uma torre com um relógio para o qual os madrileños olhavam na noite de ano novo, comendo uvas a cada uma das doze badaladas.
- Ai, adoro! Vamos comer uvas aqui no ano novo também, né? – o amigo perguntara à Estella quando ela contou o que lera a respeito do relógio.
- Marc, nós vamos para Barcelona logo depois do natal. Você escolheu as datas. Lembra?
Depois disso haviam passado pela Gran Vía, a rua mais famosa de toda Madrid, onde Estella fez compras de presentes para seus pais, assim como Hani. Também visitaram a Chocolateria San Ginés, conhecida por seu chocolate con churros. Era realmente um lugar delicioso, com um balcão de mármore, as paredes de madeira verdes cheias de espelhos e um relógio antigo pendurado. O adotaram como seu ponto de todos os dias, para o café da manhã, lanche ou cena na madrugada.
Depois do inacreditável jogo do Real Madrid, Estella se lembrara de que tinham de fazer a excursão no estádio. Como se Hani não fosse lembrá-la, de qualquer jeito. Mas como a amiga só usava aqueles malditos fones e Marc não ligava muito pra nada que não começasse com ‘Ser’ e acabasse com ‘gio’, ela decidira visitar os locais mais históricos primeiro.
Domingo tomaram um trem até a Estación Atocha, que por si só já era uma obra de arte, com vários jardins de inverno dentro. Não tiveram de andar muito até o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, que era composto basicamente por arte contemporânea e moderna. O quadro Guernica ao vivo. Dalí e Miró. Uma livraria imensa especializada em arte do século XX. Estava ali uma coisa com que os três se relacionavam, a arte. Estella se lembrava de que até achara que o amigo estava falando um pouco menos.
De lá foram para o Real Jardín Botánico de Madrid, que custou somente dois euros cada um e tinha plantas de cinco continentes, principalmente da América do Sul e das Filipinas. Se lembrava das palavras de Marc a cada planta que passavam.
- Ai, que luxo! Ai, detestei! Aquela ali é bonita! Hum, será que uma planta dessa daqui é muito cara? Pensei em levar uma pro meu quarto!
- Marc, essa planta está em extinção – Estella respondera.
- Essa não foi a minha pergunta.
Segunda haviam ido a pé para o lado mais ocidental da cidade, conferindo a Plaza Isabell II e o Teatro Real. A parte para qual Estella estava mais ansiosa era a Plaza de Oriente, após tudo que tinha lido e fotos que vira. Lá passaram grande parte da tarde, andando entre todos os jardins que compunham o Palacio Real e observando todas as estátuas de reis espanhóis medievais. Felipe IV montado em seu cavalo bem no centro. O Campo Del Moro era gigantesco comparado aos Jardines de Cabo Noval e os Jardines de Sabatini. Passaram nos Jardines Lepanto no caminho da volta, quando o sol já estava baixando.
Na caminhada ao hotel, Estella, entediada com a falta de conversas do dia, resolvera compartilhar um assunto com Marc que não envolvia aquele jogador de futebol e comentou que um bairro central, conhecido como Chueca, era definido como uma área muito... simpatizante.
- CO-MO-A-SSIM? Tem um bairro gay, que é o nosso bairro, e eu não estava sabendo disso POR-QUÊ? – Marc teve um ataque, e Hani mudava as músicas em seu I-pod. Estella já havia entendido o que aconteceria.
- Marc, você não qu-
- Nós vamos sair! Hoje! – O rapaz interrompeu Estella numa explosão de animação. Ela se virou para Hani, que ainda escutava o aparelho.
- Você sabe que isso vai ser ruim agora, você não prefere esperar até as coisas entre vocês melhor-
- Ai, para, você só acaba com a minha felicidade! Nós vamos e pronto! – Estella fora interrompida novamente. Tecnicamente, não havia problema nenhum em sair para a maldita da balada gay, o problema é que Marc sempre escolhia lugares ou de gosto duvidável ou de preço exorbitante. Hani provavelmente não ficaria feliz com nenhuma das duas opções.
Chegando ao hotel, Marc pegou um bolo de dinheiro e saiu em busca de uma Lan House. A maioria dos hotéis tinha Wi-fi, mas o hotel que escolheram era realmente simplório. No quarto não havia nenhum tipo de decoração, somente as três camas e duas mesas de cabeceira, uma entre as camas de Estella e Hani e outra ao lado da cama de Marc. O chão era de carpete, discreto, as paredes brancas, assim como todo o quarto e o banheiro. Havia uma grande janela acima das camas das duas meninas e um pequeno armário para guardarem as malas.
Enquanto Marc estava fora, Hani aproveitara para tirar os fones de ouvido. Estella mal ouvira uma palavra vinda dela desde que voltaram do jogo. As duas se sentaram na cama, uma de frente para a outra, se olharam por alguns segundos, e finalmente Hani soltou um longo suspiro.
- Meu, eu estou realmente cansada... Ele não para de falar do Sergio. Você acha mesmo que ele vai ligar? – Estella vestiu sua cara sarcástica. Que tipo de pergunta fora aquela?
- Sério? Você sabe! É claro que não. Eu também estou um pouco irritada, mas eu estou com dó dele. Se o Sergio não ligar, o que é bem provável, eu não sei o que ele é capaz de fazer. Do jeito que ele é dramático...
Alguns minutos depois, Marc voltou com uma escolha definitiva de onde passariam a noite. A balada se chamava Rick’s, e ele prometeu que não era muito cara e ‘nem sequer tinha apresentações de drag queens’. Hani concordou porque acreditava que Marc ficaria bem ocupado por lá e ela ficaria livre dele.
Estella não se lembrava de muita coisa da noite regada a copas de todos tipos – gin e tônica, whisky e coca, rum e limão, vodka e laranja –, e provavelmente Hani também não. Porém, o que se lembravam muito bem era que o ambiente parecia saído do filme Casablanca, o chão era feito de mármore, as colunas eram douradas e a conta que tiveram que pagar na saída era absurdamente cara.
- Acho que eu me enganei, Hani, o mais barato era outro... Ah, mas com todo esse dinheiro, por que me importar?
- PORQUE NÓS NÃO SOMOS RICAS E TAMBÉM TIVEMOS QUE PAGAR! – Hani não havia falado nem mais uma palavra para Marc até a hora de dormir.
Naquele dia, o plano de Estella fora seguir para os dois outros museus mais importantes, o Museo Del Prado e o Museo Thyssen-Bornemisza, mas logo percebera que, naquela situação, Hani estava até disposta a concordar com Marc. Nenhum dos dois estava animado para andar tanto e ficar em pé o dia todo como no dia anterior. Os dois já haviam tido a briga envolvendo Özil alguns minutos atrás. Então teve uma idéia.
- Nossa isso é realmente uma grande pena... porque eu tinha pensado em ir fazer uma excursão  em um certo estádio que tem por aqui... mas já que é longe, um grande caminho, e a gente provavelmente ficaria o dia inteiro lá, vocês não devem querer ir... estão muito cansados, não é?
Estella teve uma imensa vontade interna de rir do modo como a expressão de ambos mudou de um instante para o outro. Então lá se foram  os três percorrer livremente o interior do Santiago Bernabeu.
Foram até a estação Sol, ao lado do hotel, e tomaram o sentido Villaverde Alto até a estação Plaza de España. De lá mudaram para a linha Puerta del Sur Tres Olivos, para chegar à estação Santiago Bernabeu. Marc sabia que aquele era um lugar sagrado e se comportou, fazendo com que a excursão do dia dissipasse um pouco a irritação da amiga.

Monday, September 5, 2011

III - Xabi


Aquele foi um bom jogo. Não foi incrível, mas bom. Ninguém havia se machucado, e o time ganhou. Isso era o mais importante. Sempre haviam aqueles jogadores que levavam a partida para um lado pessoal, como o moreno um pouco mais alto e robusto a quem marcara durante os noventa minutos, que agora acabara de esbarrar suspeitamente sem querer em seu ombro levemente dolorido.
Mas tudo estava bem, estava a caminho do vestiário e de uma merecida ducha para relaxar e evitar qualquer lesão. Já sonhava com a água escorrendo pelo corpo e agora desejava ter trocado a camisa com algum adversário. Quão ridículo pareceria se a tirasse simplesmente por calor?
Escutou alguns berros muito próximos e algo como ‘somos brasileiros’ mas isolou qualquer som. Contava os passos para o chuveiro, esquecendo todo o estádio a sua volta, desejando estar cercado somente pelo barulho da água e pelo vapor. De repente foi abruptamente trazido de volta à realidade, puxado por um forte e mal disfarçadamente animado Sergio Ramos.
- Xabi! Vem aqui comigo…
- Espera, o que você quer?
-  Distrai para mim aquelas duas meninas ali, amigas daquele cara, para eu poder… – A voz de Sergio passara de baixa para um sussurro, mesmo que estivesse pronunciando aquelas palavras diretamente ao ouvido do amigo.
- Ai, ai, ai, não precisa me dar detalhes sobre essas suas… - Xabi se afastou empurrando o moreno de leve, com um sorriso constrangido no rosto.
Se virou para o lado para que Sergio apontara, de onde também os berros haviam vindo. É claro. Ele era brasileiro. E Sergio estava interessado. Seus olhos recaíram sobre os dizeres de sua camisa. Ele era exatamente o tipo do lateral. ‘I’m too sexy for my shirt’. Curiosamente, Sergio nem sequer falava inglês muito bem.
Xabi deu uma última olhada por cima do ombro para o vestiário. Ele era um amigo muito bom. Deixou-se arrastar, então, ao lado do outro até aqueles fãs que continuavam gritando e pareciam não entender que os dois já iam em sua direção. Conforme se aproximavam, os olhos das duas garotas se expandiam. Já o rapaz ao lado delas alisava a blusa enquanto os media de cima a baixo.
Depois de assinar algumas coisas relativamente estranhas fornecidas pelas duas garotas – duas camisas do Real Madrid, dois broches, um calendário, um desenho, um CD de uma banda estranha de que nunca tinha ouvido falar, dois caderninhos de espiral, uma agenda e uma foto que também pertencia a um porta-retrato de sua própria sala – tentou puxar algum assunto para que Sergio pudesse ‘fazer sua mágica’, como diria.
- Então, quais seus nomes? – Sério? Como poderia puxar um assunto com isso?
- Eu sou a Estella, essa é a Hani, hehehe, nós somos do Brasil.
- Ah, é mesmo? – E agora? Essa era a próxima pergunta que ele ia fazer! – Hum. Eu… estão gostando da Espanha?
- Sim! Na verdade nós chegamos há pouco tempo, não conhecemos Madrid direito ainda. E eu estou muito ansiosa para conhecer Barcelona! – A mais baixa não conseguia disfarçar o entusiasmo, os olhos negros brilhando – Vamos para lá depois do natal!
- E vocês gostaram do jogo? – perguntou, enquanto assinava alguns papéis que surgiam em torno das duas.
- Claro! Você foi ótimo! – Hani se pronunciou pela primeira vez.
- He, gracias.
Mesmo após alguns segundos de silêncio, as duas garotas pareciam estar muito entretidas em palavras que não estavam sendo ditas. De quanto tempo mais Sergio precisava? Xabi arriscou olhar de esguelha para o amigo. Parecia que ambas haviam percebido.
- Então, Estella e Hani… vocês… são fãs? Do Real Madrid? – As duas se entreolharam. Xabi se sentiu um idiota. Mesmo seu maior fã o acharia um idiota depois disso. Elas tinham camisas do time. Assistiram ao jogo. Berraram como loucas. E ele perguntara se elas eram fãs.
- Hm. Sim. Na verdade eu torço pelo Barça, hehehe – Estella começara a desatar a falar, com as bochechas corando – mas eu gosto muito de vocês, acho besteira esse negócio de rivalidade entre os times e…
Xabi jogou os olhos castanhos claros  a sua direita novamente, se perguntando se Sergio não ia mostrar logo o sorriso branco capaz de cegar alguém e acabar logo com aquilo. Não que não adorasse conversar com os fãs, muito pelo contrário; só não era bom em disfarces e, muito mais tempo, todo seu esforço teria sido em vão.
- … mas a Hani é muito fã MESMO! Ela… hm – novamente as duas morenas notaram algo e quando iam se virar para olhar para aquela direção, Xabi teve uma idéia repentina. Agarrou o punho de Hani, e os quatro olhos se voltaram para sua mão.
- É verdade?! Há, bueno, então… – Xabi olhou desesperadamente de canto de olho para os dois homens. Por favor, que acabassem logo com aquilo! Hani estava imóvel, em choque, mas Estella parecia a caminho de desviar os olhos novamente.
- Então, vocês NÃO QUEREM MINHA CAMISA?! – ! Conseguira chamar a atenção das duas. Elas nem pareciam ter percebido o quanto sua voz desafinara. Ficaram boquiabertas e sem fala por alguns segundos.
- S-Sim! Sim! – Hani exclamou – Oh, sim, queremos!
- É… mas você só tem uma…
- Ah, a gente rasga ao meio, sei lá! – Hani tornou-se para a amiga, arregalando os olhos. Depois disse entre dentes – Estella…!
- Eu sei! É claro que a gente quer, a gente dá um jeito, hahaha! Marc, v-
Marc devia ser o amigo.
- Espera! Vocês gostam mesmo do Real Madrid e eu pensei… vocês… vieram de tão longe, não é? Brasil! Isso é, como, do outro lado do mundo! – Essa era uma péssima idéia. É bom que Sergio conseguisse mesmo sair com o tal do Marc.
- É verdade, mas aqui é um sonho! – Hani e Estella pareciam realmente gostar de futebol. E da Espanha. E do clube.
Bueno… e tem um treino em Barcelona depois do ano novo… então eu pensei que vocês talvez quisessem ir – Ótimo. Genial. Xabi acabara de convidá-las para um treino fechado. O que aconteceria com ele? A pontada de remorso foi logo embora, pois a expressão no rosto das duas brasileiras era inexplicável. Depois de se recuperarem, a mais alta respondeu.
- Nossa, é sério? Muito obrigada, isso seria incrível, eu, eu… – Seus olhos castanhos giravam nas órbitas tentando encontrar as palavras.
- Nós nem sabemos o que dizer, Xabi. Isso… não temos como agradecer o suficiente – A mais baixa e mais morena empurrou o cabelo para longe dos olhos e puxou uma fantástica mecha para trás da orelha. Fantástica? De onde veio isso? O cabelo encaracolado era bonito, mas… Joder. Era realmente extraordinário o modo como a luz refletia na cor dos fios em dégradé.
Vale, não é nada demais… – Bem, alguém não estava sendo exatamente honesto. Aquilo era praticamente uma sentença de punição… – Só escrevam seus nomes para mim…
Xabi resolveu tentar uma espiadela uma última vez. Sergio havia finalmente terminado. Estava se virando. Hani estendia um pequeno pedaço de papel.
 – Certo! Ótimo! Ainda tem muito tempo até lá! Espero que vocês apareçam! Até mais.
Por Dios. Pelo menos não estava mais usando aquela camiseta desconfortável. E agora a conversa toda e o grande favor que fizera pareciam memórias distantes. Subiu as escadas rapidamente.
Armários. Bancos. Chuveiros. Outros madridistas rindo com suas bromas. Água. O espanhol fechou os olhos enquanto sentia o calor e a tensão evaporarem juntamente com as gotas que se dissipavam em formato de vapor.
Não era de demorar muito no banho. Só ficava tempo o suficiente para sentir-se refrescado. Mas aquela tarde deteve-se por mais tempo do que nunca. Momentos como esse o faziam perceber a quanto tempo não parava para conversar, tomar uma atitude espontânea. Desligou a água e passou a mão no cabelo que pingava.
Se sentia preso a uma rotina. Enrolou a toalha no corpo e se dirigiu ao seu armário. Pegou sua mochila da prateleira e sentou-se no banco. Há quanto tempo passava reto para vestiários e ia direto para casa. O quanto andava cansado.
Um leve tapa nas costas o acordou de seus pensamentos. O moreno de cabelos compridos tirou a toalha e sentou-se ao seu lado, puxando sua bolsa. Ele sempre fora assim, desinibido. Deu uma piscadela.
- Você devia me agradecer, Sergio. É bom que você tenha conseguido.
Gracias, cabrón! Sim, foi tudo como o planejado. E você? – Ele não tirava aquele sorriso afetado do rosto.
Por supuesto, eu dei minha camisa a elas… e eu tive que ficar inventando mil perguntas já que você demorou um século…
- Mas deu tudo certo?
- Tirando o fato de que eu estou completamente encrencado! Eu convidei elas paraum treino fechado. O de Barcelona. Você tem alguma noção do que isso quer dizer? O que o Mourinho vai dizer? Ele vai me matar – Sergio deu risada enquanto arrumava as meias.
- Mas vocês se deram bem, ? Seria um tanto quanto desconfortável na terça-feira se não… – Ele se virou, remexendo em suas coisas. Obviamente tentando fugir de qualquer reação.
- Terça-feira?
- Ah, é, terça a gente vai sair.
- O que, Sergio? E quando eu ia ficar sabendo disso?
Ramos parou o que quer que estivesse fazendo e vestiu sua expressão galanteadora de Don Sergio.
- Eu já fiz o bastante por você.
Ainda com aquele sorriso descaradamente malicioso e lisonjeiro. Ele não desistiria mesmo. Ele nunca desistia.
- Está bem – O sorriso de Sergio conseguiu expandir-se ainda mais, e ele se aproximou de Xabi num movimento sorrateiro, segurando seu rosto entre suas palmas e apertando um beijo em sua bochecha – SAI! SERGIO RAMOS, PARE COM ISSO! EU NÃO VOU MAIS A LUGAR NENHUM SE VOCÊ FIZER ISSO DE NOVO!
Sergio se levantou rindo, se afastando na direção de Iker.
- Eu te ligo na quarta para te avisar que horas você pode me pegar. Você vai dirigindo – Ele sempre decidia as coisas pelos outros, e sempre conseguia o que queria.
Ao menos Xabi faria algo de diferente. De algum modo, se sentia mais… livre.

II - Marc

- Marc, você já pegou a máscara esfoliante?
Hani estava tão cheia de roupas nas mãos que era quase impossível ver seu rosto, e sua voz acabou saindo meio abafada. Nesse meio tempo, Estella estava exasperadamente saltitante na cama, chacoalhando os braços e comemorando com gritos ensurdecidos.
- Barcelona, Barcelona, Barcelona!
Teoricamente, já havia arrumado suas malas, porém, ainda podia ser observado todo o conteúdo espalhado pelo quarto enorme de Marc.
- Foi a primeira coisa que eu coloquei na minha mala, Hani – Ele revirou os olhos caramelados. Marc estava um pouco impaciente, mas era por causa da ansiedade de ir para a Espanha e encontrar aquele monte de… espanhóis – É, é, Estella, Barcelona, uhul. Agora coloca as coisas dentro da mala – ele girou o braço desanimadamente quando disse ‘uhul’.
Ela parou imediatamente com a comemoração, deixando seus braços caírem ao lado do corpo, e passou a encarar o amigo moreno. Marc sentiu um pouco de incômodo com aquele olhar, mas não disse nada. Ele esperou alguns minutos para que algum comentário obsessivo viesse de Hani, e sua amiga não o decepcionou.
- Olha, Estella, eu odeio dizer isso, mas ele tem razão. E estamos atrasados – Hani já consultava o relógio, a típica expressão de maluca que fazia Marc rir e olhar com significância para a outra amiga.
Marc olhou para Estella, e voltou o olhar para Hani, com a boca aberta, encarando-a como se ela fosse ridícula. Ele viu Estella na visão periférica bufando e se virando para arrumar sua mala, enfim.
- Meu, o vôo é daqui a três horas – Ela deu uma ênfase ao ‘três’ e falou o resto com o desânimo típico de quando não dava a mínima para o que os outros haviam dito.
- É, mas eu já fiz os cálculos e a gente tem que sair daqui a uma hora no máximo – Marc notou que as suas pálpebras abriam cada vez mais a cada palavra dita – Onde você vai com esse sutiã?
- Como assim? – Que comentário mais psicopata de Hani. Marc também ficaria meio assustado, como Estella parecia ter ficado.
- Esse sutiã. Na sua mão. É meu.
- Não, não é – Estella segurava o sutiã apertado junto ao peito – É meu sutiã!
As duas se olharam por um momento.
- AI MEU DEUS, A GENTE TEM SUTIÃS IGUAIS! – Após uma demonstração de quão ridículas eram suas amigas, a atmosfera voltou ao normal. Não era como se Marc fosse fazer aquele tipo de coisa se ele fosse mulher.
Enquanto Estella arrumava a mala tranquilamente, fechada em seu mundo do iPod, e Hani estava sentada em cima da Louis Vuitton de Marc, numa luta quase perdida com o zíper para fechá-la, ele fazia um monólogo interminável sobre suas próprias sobrancelhas.
- … Mas, então, você não acha que eu tinha que tirar um pouco mais dessa aqui? – Ele apontava sua sobrancelha direita e colocava o rosto a centímetros de Hani.
- Porra, Marc! O que você colocou dentro da merda dessa mala? – Hani puxava o zíper travado desesperadamente e Marc teve nojo do fio de suor que escorria pelo rosto da amiga.
Insatisfeito com a falta de resposta da amiga, e não querendo mais encarar a gota de suor, ele revirou os olhos e se dirigiu a Estella.
- E você, o que acha?
Silêncio.
- Estella?
Silêncio.
- Estella.
Silêncio.
- ESTELLA!
- Hã? – Ela tirou um dos fones de ouvido.
- O que você acha?
- Sobre o quê?
- Humpf, minha sobrancelha – Ele disse, com um ar de ‘o que mais seria?’.
- Sério? – Ela franziu o cenho – Você tá me perguntando sobre a sua sobrancelha? Eu não tenho uma resposta pra isso.
Marc, depois disso, desistiu de compartilhar o assunto com suas amigas.
Para ele, as coisas passaram muito rápido, porque ele passou o tempo todo até o táxi chegar se olhando no espelho, alisando a roupa e arrumando o cabelo.
Ele era mesmo muito bonito. Como podia ser tão bonito? O que mais gostava em si mesmo era o seu nariz, bem definido, imponente, reto e com a linha que contornava as narinas bem marcada. Os olhos também. E o sorriso. Mas claro que não podia esquecer-se de sua boca. Ele tinha uma curva nos cantos da boca que o deixava tão inocente e tão malicioso ao mesmo tempo.
Quando o táxi chegou, Hani fez com que Estella se sentasse no banco de trás, para que a amiga lesse uma lista interminável de coisas importantes para levar. Então, Marc se sentou no bando da frente – não sem comemorar silenciosamente, pois era o lugar onde mais espelhos estavam disponíveis para ele se admirar.
Após meio caminho flertando com o seu reflexo, ele percebeu que uma barba mal-feita não cairia mal em seu rosto. Então, ele indagou o taxista.
- O que você acha de eu deixar uma barba crescer? – Depois de alguns segundos sem obter resposta, ele se perguntou por que o taxista o olhava de esguelha e não se pronunciava – Hein?
Dessa vez o homem se virou e balbuciou alguma coisa como ‘É, pode ser’. De imediato, Marc não gostou dele. Ai, como seres humanos eram mesquinhos e irritantes! Voltou a mirar seu reflexo.
A chegada ao Aeroporto de Guarulhos pareceu cinematográfica. As portas automáticas se abriram, revelando uma garota com passos apressados. Seus cabelos castanhos demasiadamente longos espalhados por todo o rosto pálido, esboçando uma expressão de preocupação, enquanto suas pernas longas ganhavam todo o saguão. A segunda a passar pela porta mascou o chiclete de boca aberta, arrumando os óculos de sol e, em seguida, jogando para trás os cabelos castanhos queimados de sol, loiros na porta e castanhos escuros na raiz. Olhou em volta com tédio e puxou a mala até o check-in bem lentamente, apesar da insistência de pressa da amiga.
Por último, foi ele. As portas até se abriram novamente. Enquanto Marc entrava no saguão, uma brisa o atingia pelas costas, agitando a mecha castanha clara mais comprida, na frente de seu cabelo liso, estrategicamente bagunçado. Ele parou, suspirou olhando em volta, bagunçou de volta ao lugar a mexa rebelde. Como se fosse seu último ato, levantou a gola pólo de sua camisa com a bandeira espanhola e virou-se para, teatralmente, pegar sua mala.
O trio pode ser descrito dessa maneira por toda a viagem até A Europa. Estella logo pegou no sono. Hani, imediatamente ao lado da adormecida amiga, não conseguia parar quieta, olhando pela janela ao lado da outra. Marc, no corredor, conferia todos do vôo e ficou especialmente interessado no comissário de bordo.
Quando desceram de volta ao chão, Marc estava ansiosíssimo. Assim que se levantou, todos o olharam. Todos com aqueles casacos estranhos e feios. É claro, o invejavam. Ele era maravilhoso, sua pele, seu cabelo, especialmente suas roupas, sem casaco feio.
Tudo seria muito melhor se aquele avião os tivesse levado diretamente para a Espanha. Mas não tinha. Ele ainda não acreditava que suas amigas realmente o haviam convencido, na verdade arrastado, para aquele fim de mundo. Passar um dia na Polônia seria praticamente impensável, ainda mais porque teria de passá-lo completamente sozinho.
Hani e Estella eram mesmo muito egoístas. Tudo por causa de um teste para um trabalho no ano seguinte. Um trabalhinho qualquer. Ele nem prestou muito atenção quando elas explicaram, mas parecia ter alguma coisa a ver com futebol. Fanáticas.
Assim que saiu ao ar livre sentiu um ar frio cortando todas as partes expostas de seu corpo. Talvez ele devesse ter escutado as duas sobre o inverno na Polônia. Realmente não era igual à França. Mas como ele saberia? Por que ele iria para aquele país durante suas férias européias? Obviamente que quando viajava, ia para os países mediterrâneos.
Tinham de pegar as malas. Hani foi até as esteiras e os mandou esperar nas cadeiras ali perto. Depois de algum tempo, o queixo do moreno começou a bater e suas unhas pareciam um pouco roxas. Isso sim era inaceitável. Talvez devesse atuar um pouco.
- Este-e-eee-lla… Es… te… a… – Ele optou pela amiga mais perto – Eu… preciso… de um casaco. Me abraça…
Talvez não estivesse dando muito certo. Ela o olhava de canto de olho enquanto ele se jogava em seu colo. Ele devia ter exagerado demais. Ele soltou um pouco o braço dela, bateu o queixo um pouco mais e vestiu um olhar suplicante.
- O que ele tem? – Hani perguntou, arrastando as malas desengonçadamente.
- Oh… está ficando escuro… estou com… fri-i-o… Hani… – Ela revirou os olhos. Que droga, quem ele tinha que agarrar ali para ganhar um casaco? Ele levantou – Por favor! É sério!
- Bom, você devia ter…
- É, devia ter escutado vocês! Eu sei – Marc interrompeu Estella, que parou no meio do que quer que estivesse fazendo. Ela o olhou com aqueles olhinhos encolhidos, julgadores, como sempre fazia quando queria que alguém se sentisse culpado. Pensou um pouco, bufou e voltou a se mover, tirando o casaco. Não é como se ela precisasse, ela tinha mais uns sete.
- Toma aqui. Vê se ouve na próxima.
O vôo para Madrid era de madrugada. Elas o largaram num hotelzinho de meia estrela ao lado do aeroporto. Sem TV, sem wi-fi. O que ele ia fazer naquele lugar? Sair era a última coisa que passava pela sua cabeça. Ao menos tinham uns empregados bonitos. Marc não sabia que homens poloneses eram loiros de olhos azuis e lindos.
Um garçom do restaurante do hotel, em particular, o interessou muito. Quando tentou falar inglês com a recepcionista ela chamou o loiro alto, falando alguma coisa extremamente estranha. Ele se virou com um pouco de vergonha e falou um inglês com muito sotaque. Que fofo!
Depois disso, Marc ficou rondando o bar e tentando fazer com que o polonês o notasse. Ele sorria, e o polonês ficava vermelho e olhava para baixo. Realmente uma gracinha. O restaurante estava fechado e o garçom estava arrumando as mesas.
Podia ser bonitinho, fofinho, engraçadinho, mas uma hora ou outra ele tinha que agir. Marc não era de se jogar em cima dos outros. Não quando o tal outro não se jogava em cima dele também. Talvez ele devesse ser um pouco mais indiscreto.
- Olá – Marc fez uma pose sobre a mesa que o homem arrumava, empinando o bumbum o máximo que pode. O outro arregalou os olhos e deu um meio sorriso.
- Hm, cześć
- É, tché... tchz. É. Então. Quando você tem uma folga, hein? – Ele colocou a mão sobre o ombro do loiro. Ele sacudiu a cabeça.
- Hm, nie… não ter. Ter bastante trabalho por ser perto aeroporto… – Ele sorriu, sem graça, e continuou – E só eu e Nikolai trabalhar aqui restaurante…
- Ah, é mesmo? Que bom saber que vou estar em boas mãos durante o jantar! – Marc inclinou-se para frente – Qual o seu nome?
- Hm, Jan – O polaco estendeu a mão e o brasileiro a agarrou.
- Eu sou o Marc. Você fuma?
Jan parecia não ter entendido direito. Na verdade ele não parecia ter entendido muita coisa da conversa. Marc imitou o gesto de fumar com as mãos e o outro acenou a cabeça.
- Ah! Tak! Sim!
- É? Onde? – O loiro pareceu ter estranhado um pouco a pergunta, então Marc sorriu simpaticamente.
- Lá fundo de cozinha…
- Você quer ir lá? – Marc se jogou demais. Mas ele nunca tinha beijado um polonês. E talvez o dia não fosse ser tão ruim assim – Vamos.
- Hm… só arrumar esta mesa, sim?
Marc ficou observando a pequena fonte de pedra ao lado do bar. Era suja e gasta, mas de certa forma combinava com o ambiente. Ficava bem embaixo de uma janela grande que mostrava a neve lá fora. Ele sentiu uma mão em seu ombro.
- Fumar? – Jan sorriu e fez um gesto com a mão, olhando na direção da recepção – só não deixar Aleksandra ver você!
Chegando na cozinha, Marc seguiu o outro através de um pequeno corredor escuro com uma porta no final. Ele quase ficou cego quando Jan a abriu, a imensidão branca cercando todo o horizonte. O loiro esfregou as duas mãos e puxou um maço de cigarros de dentro do casaco. Ofereceu um a Marc, que o recusou.
- Não… isso é para depois – Jan o fitou por alguns segundos e acendeu o isqueiro. Terminou de fumar em três segundos, até antes. Marc nunca vira alguém fumar tão rápido. O polonês apoiou a cabeça na parede, revirando os olhos de alívio. Aquilo fez com que Marc tivesse pensamentos muito impuros – Vem.
Ele pegou no braço do outro e o puxou para dentro. A luz da cozinha estava apagada e a única luz vinha da neve de fora. Marc empurrou o outro no que achou ser uma parede, mas ela fez um barulho estrondoso. Eram panelas empilhadas.
Chyba was pojebalo?! – Jan recuou, caído no chão.
- Não tenho certeza do que isso quer dizer, mas você falando polonês é sexy! – Marc se lançou na direção do outro.
- Para! Eu disse… – Jan o segurava, com uma mão espalmada sobre seu peito – você está louco, porra? (are you out of your fucking mind?)
- Sim! Não consigo pensar direito! Você me deixa louco! – Marc sussurrou, deslizando uma mão para segurar o maxilar do outro. Ele parecia um pequeno cervo assustado, relutante ao seu fim inevitável. O moreno tentou ser delicado, acalmando e acariciando Jan, que parava de resistir.
Finalmente Marc arriscou tocar com os dedos aqueles lábios inacreditavelmente macios, mesmo apesar do frio cortante daquele inverno. O homem loiro estremeceu ao sentir a respiração do brasileiro tão perto. De início, só ficou parado enquanto Marc o beijava. Depois, começou a retribuir o beijo lentamente.
Marc passou um bom tempo ali no chão da cozinha deturpando o pobre jovem polonês. Mas enfim, Jan queria aquilo, só não sabia. E Marc fora apenas bondoso para mostrar a ele do que ele realmente gostava.
Haviam se passado quarenta minutos, uma hora, duas. Marc não sabia ao certo, mas devia ser tarde e ambos teriam problemas se não saíssem dali. Jan poderia perder o emprego e Marc ia ouvir um sermão das amigas se atrapalhasse alguma coisa da viagem, especialmente de Hani se por acaso se atrasassem.
Despediu-se do europeu, deixando-o estatelado sobre o piso gelado e quadriculado, ao lado das panelas espalhadas por toda a cozinha. Chegando ao quartinho sujo, deitou-se na única cama que se encontrava ali.
Hani e Estella o acordaram chacoalhando-o cerca de duas horas mais tarde, dizendo que tinham de ir para o aeroporto para fazer o check in. Marc só queria dormir e deixou-se ser levado, meio sonâmbulo, pelas amigas.
As duas desmaiaram assim que sentaram. Marc devia ter perguntado como fora o teste. Mas não é como se elas já não soubessem que ele não ligava muito, principalmente porque não estava completamente acordado.
O sol já havia nascido quando os três abriram os olhos novamente. O Aeroporto de Madrid-Barajas não era tão maravilhoso assim como diziam. Tinha um teto estranho, todo curvado, e umas hastes coloridas que o suportavam. Marc acreditava que poderia fazer um trabalho muito melhor com a decoração. Tinham umas coisas inidentificáveis espalhadas pelo terminal e obras de arte de gosto muito duvidável.
A única coisa que ele adorou era que o rodapé era gigantesco – assim como o próprio aeroporto – e tinham árvores no meio de um pátio. Sim, dentro do terminal. Aquilo era incrível. Isso sim era coisa de gente chique. A partir daquele momento ele decidiu que colocaria uma planta no meio do seu quarto. Puro luxo!
O aeroporto ficava a doze quilômetros do centro da cidade, e o hotel era quase que o ponto central de toda Madrid. Uma corrida dessa distância não ficaria nada razoável para as duas amigas, então Marc resolveu tomar a iniciativa de chamar o carro branco com uma risca vermelha. Segundo Estella, os táxis oficiais eram dessa cor e tinham um símbolo do Ayuntamento de Madrid nas portas; esse deveria ser um deles.
Hola, ¿a dónde vámonos hoy? – Alguém estava animado! Marc gostou dessetaxista. Ele era bonito. E espanhol.
Ah, vamonos a… esto lugar – Estella estendeu a mão com o endereço do hostal. Ela estava sentada atrás, e dessa vez fora Marc quem a empurrara para lá. Os olhos verdes do espanhol se desviaram do papel para ele, que o observava. O motorista sorriu, sem graça.
Bueno… – Ele arrancou o carro. Marc podia perceber que o outro gostara dele. Afinal, o que tinha para não gostar? – Y dónde son ustedes?
- De Brasil – O moreno respondeu, com um sotaque espanhol carregado.
Ah, Brasil? Eu hablo un poco de portugués! – Ao menos ele tentou.
Foram o caminho todo conversando. Ele foi provavelmente o taxista mais legal que Marc já conhecera, o que não era pouco. Em São Paulo, tomava táxi toda vez que saía por conta própria. Somente quando fizera dezoito anos passou a andar com seu querido Porsche Cayman S.
O nome do taxista era Estebán e ele disse que o trajeto mais rápido seria de uma distância um pouco mais longa do que os doze quilômetros, e que deveria demorar uns vinte minutos para chegar, mas Marc não se importou muito. Se esses eram os primeiros vinte minutos dele na Espanha, então Deus ajudasse no resto!
Eles chegaram e ele não queria descer do carro, mas as garotas o olharam com um ar de censura e ele abriu a porta. Não é que Estebán queria acompanhá-los e ajudá-los com as malas? Estella e Hani recusaram e Marc quis morrer.
- Obrigado, de todo modo… – Ele agradeceu e deu um beijo no rosto do outro. O espanhol arregalou os olhos e ficou parado por um tempo. Marc não pôde ver sua reação porque as duas amigas o puxaram. Quando ia voltar atrás para pedir o telefone do homem, Hani o segurou.
- Marc! Para com isso! Vai assustar o primeiro espanhol que você conhece? – Como ela podia dizer algo assim? Ele estava tão perto de beijar o primeiro espanhol da vida dele e ela provavelmente estava com ciúmes porque era ele quem tinha conseguido o primeiro homem da viagem.
Eles falaram com a mulher baixinha atrás do balcão da recepção, uma senhora de cabelos grisalhos e um óculos de hastes redondas apoiado na ponta do nariz. Ela os mostrou o quarto em que ficariam, no terceiro andar, mas não havia ninguém para ajudar com as malas. Aparentemente o sobrinho dela estava almoçando. E o elevador estava quebrado.
Marc achou um absurdo ter que carregar aquelas malas pesadas por três lances de escada! Perguntou para a velha quando arrumariam o elevador, mas ela não parecia ter escutado. É claro que Estella/Hani teria escolhido um lugar assim. Não queria nem olhar o quarto.
Quando a porta se abriu, o moreno deixou as malas caírem e tapou a boca com as mãos. Era um escândalo. Devia ter no máximo uns quarenta metros quadrados,contando com o banheiro. Não tinha nada, só três caminhas de solteiro, e o máximo por que podia ficar feliz era que a banheira era utilizável.
Ele ficou com a cama do canto, perto da porta, que ficava na parede contrária às outras duas. Pelo menos ele teria mais espaço. Assim que a senhoria saiu do quarto, abriu sua frasqueira e pegou seu spray contra insetos, borrifando em cada canto do quarto e do banheiro.
- Marc, a menos que você queira nos envenenar e a si próprio, seria ótimo se você parasse com isso! – Estella sabia muito bem que aquilo era para o bem deles. E ela deveria estar agradecendo.
- Quem é que tem aracnofobia aqui? Sou eu?
- Marc… – Hani também não tinha do que reclamar.
- Sou eu? Eu acho que não! – As duas o encararam por alguns momentos e depois suspiraram e se viraram para desarrumar as malas.
Quando ele pensou nisso, abaixou os olhos para aquele monstro marrom de rodinhas. Ele mal conseguira tirá-lo de casa. Subir com aquela mala pela escada o fizera suar. O que era terrível. Abri-la provavelmente não seria muito mais fácil.
- Hani, você quebrou minha Loius Vuitton! – Ele resolveu berrar e ver se assim conseguia que a amiga viesse fazer o trabalho por ele. Contanto que não pingasse de novo.
- Marc, foi por minha causa que você conseguiu trazer essa coisa! Ela nem teria fechado se não fosse por mim. Eu não quebrei nada, abre ela aí! Não vou ter todo aquele trabalho de novo só porque você é um preguiçoso.
- Ai que grossa! – Ele resolveu adiar o esforço e se largou no colchão – Vocês já escolheram a roupa que vão usar amanhã?
Ele deu risada da reação das duas. Hani largou tudo que tinha nas mãos e se virou rápido, com os olhos arregalados. Estella travou e ficou parada na mesma posição, virada de costas e meio curvada. Depois, ainda meio travada, girou no lugar de modo a ficar de frente para ele. As duas se olharam logo em seguida e começaram a revirar as roupas.
- Eu sabia que isso ia acontecer! Eu não sei porque a gente não escolheu antes!
- Ah, fala sério, Hani. A gente sempre acaba mudando, não adianta nada escolher antes – Estella sumira atrás da porta do armário. Pelo menos isso, o quarto tinha um mini-closet.
- A Ella tem razão! Se eu vou para um lugar, tenho que estar bem vestido.
- Se eu vou para um jogo do Real Madrid é que eu tenho que estar bem vestida!